Parecer prévio do Tribunal de Contas: quem julga as contas do prefeito é a Câmara Municipal

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Nas últimas semanas, diversas notícias equivocadas têm circulado em sites e redes sociais sobre a natureza jurídica do parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas na análise das contas anuais dos prefeitos. Algumas delas sugerem, de forma incorreta, que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria decidido recentemente que esse parecer passou a ter caráter vinculante, obrigando as Câmaras Municipais a acatá-lo sem possibilidade de julgamento diverso. Essa interpretação, se válida, alteraria profundamente a autonomia constitucional das Câmaras para julgar as contas do chefe do Poder Executivo local.

De forma clara e direta: quem julga as contas do prefeito é a Câmara de Vereadores, não o Tribunal de Contas. O parecer do TCE é uma manifestação técnica, relevante, mas não obrigatória para o Legislativo municipal.

A confusão mais recente tem origem em uma interpretação errônea de decisões antigas do STF, em especial da ADI 849/MT, julgada em 1999, que vem sendo erroneamente apresentada como atual. A Atricon identificou que essas notícias enganosas foram disseminadas principalmente por sites de pequeno porte e replicadas por perfis políticos em redes sociais, muitas vezes com o objetivo de alimentar disputas locais.

Em nota oficial, a Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) esclarece que não existe decisão recente do STF que modifique o entendimento já consolidado, reforçando que o parecer emitido pelos Tribunais de Contas possui natureza meramente opinativa e que o julgamento final das contas cabe ao Poder Legislativo municipal.

O que determina a Constituição?

O artigo 31, § 2º, da Constituição Federal dispõe que:

“O parecer prévio, emitido pelo órgão competente do Tribunal de Contas, sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.”

Isso significa que o Tribunal de Contas exerce papel técnico e consultivo na análise das contas públicas, mas a decisão final — aprovar ou rejeitar as contas — é prerrogativa da Câmara de Vereadores. Para rejeitar o parecer do TCE, a Câmara precisa de uma maioria qualificada (2/3 dos votos).

Decisões recentes e o posicionamento do STF

A confusão sobre o caráter vinculante do parecer prévio tem origem em interpretações desatualizadas, que remetem ao julgamento da ADI 849/MT, relatada pelo ministro Sepúlveda Pertence, em 1999. Contudo, desde então, o STF tem atualizado seu entendimento por meio de decisões mais recentes, como a ADPF 982/PR, relatada pelo ministro Flávio Dino, e outras decisões relevantes nos Temas 157, 835 e 1287 da repercussão geral.

No dia 16 de junho de 2025, o ministro Dias Toffoli, do STF, reforçou esse entendimento em decisão proferida no RE 1.554.878/RS, onde citou o voto do ministro Gilmar Mendes no RE 1.221.938/RS (de 8 de novembro de 2024):

“Como visto, nos termos assentados pelos referidos paradigmas, conclui-se que, se a atuação do Tribunal de Contas se der no âmbito de prestação de contas anuais, o parecer por ele proferido, ainda que com imputação de débito ou de multa, tem natureza meramente opinativa, uma vez que compete ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local.”

Esse posicionamento sintetiza a atual compreensão do STF sobre o tema, distinguindo o papel técnico do Tribunal de Contas e a autonomia política do Legislativo.

Por sua vez, o conselheiro Carlos Neves (TCE-PE), vice-presidente de Relações Jurídico-Institucionais da Atricon, reforça que:

“De 1999 para cá, o entendimento do STF sobre essa temática evoluiu significativamente, sendo o precedente mais recente o julgamento da ADPF 982/PR, que consolidou a natureza opinativa do parecer prévio e o papel decisório da Câmara Municipal.”

Natureza do parecer e sanções com eficácia executiva

Embora o parecer prévio seja opinativo, o Tribunal de Contas pode aplicar sanções diretas, como multas ou débitos decorrentes de irregularidades apuradas na fiscalização. Nesse caso, conforme previsto no artigo 71, incisos VI e VIII, e § 3º da Constituição Federal, essas decisões têm efeito executivo imediato, dispensando aprovação do Legislativo para sua execução.

O ministro Dias Toffoli destacou isso em sua decisão recente, ressaltando a distinção clara entre o papel opinativo no julgamento das contas e a eficácia executiva das sanções aplicadas pelo Tribunal.

Esclarecimentos da Atricon

O presidente da Atricon, conselheiro Edilson Silva (TCE-RO), declarou que as notícias sobre suposta decisão recente do STF foram fruto de interpretações erradas ou mesmo usadas para alimentar disputas políticas locais.

“Não há qualquer decisão recente do STF que tenha alterado o entendimento vigente, nem qualquer ação em tramitação nesse sentido”, afirma Silva.

O vice-presidente de Relações Jurídico-Institucionais da Atricon, conselheiro Carlos Neves (TCE-PE), enfatiza que o entendimento do Supremo evoluiu muito desde 1999, com importantes julgamentos que consolidaram a autonomia das Câmaras Municipais no julgamento das contas, destacando a relevância da ADPF 982/PR para essa definição.

Por que isso é importante?

O correto entendimento da natureza do parecer prévio e do julgamento das contas é essencial para preservar o equilíbrio entre fiscalização técnica e decisão política, garantir a transparência e evitar conflitos institucionais.

A desinformação sobre o tema compromete a governança municipal e pode gerar insegurança para gestores e legisladores.

Em resumo:

  • O parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas é técnico e opinativo, não vinculante.
  • Cabe à Câmara Municipal o julgamento final das contas do prefeito, podendo rejeitar o parecer do TCE mediante maioria qualificada (2/3).
  • Sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas (multas, débitos) possuem força executiva e independem da aprovação do Legislativo.
  • Não existe decisão recente do STF que altere esse entendimento consolidado.
  • A circulação de informações erradas compromete a governança municipal e a transparência pública.

Recomendações finais

É essencial que gestores públicos, parlamentares e a sociedade em geral busquem informações confiáveis e respaldadas juridicamente sobre o funcionamento das instituições. A propagação de conteúdos distorcidos, além de comprometer o debate público, mina a confiança nas decisões legítimas tomadas por órgãos de controle e pelos próprios Legislativos municipais.

A Atricon segue acompanhando com atenção o tema e reitera seu compromisso com a transparência, a boa governança e a proteção das competências constitucionais dos Tribunais de Contas.

 

Fontes consultadas:

  • ATRICON. Nota oficial sobre a natureza opinativa do parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas. Publicada em 18/06/2025.
  • Supremo Tribunal Federal (STF). ADPF 982/PR, relatoria do Min. Flávio Dino.
  • STF. RE 1.554.878/RS, decisão do Min. Dias Toffoli, 16/06/2025.
  • STF. RE 1.221.938/RS, voto do Min. Gilmar Mendes, 08/11/2024.
  • Constituição Federal de 1988. Art. 31, § 2º e art. 71, § 3º.
  • Temas da Repercussão Geral: 157, 835 e 1287.

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