PEC 14/2021 e o risco fiscal a municípios: debate acirrado no Brasil

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A aprovação, na Câmara dos Deputados em 7 de outubro de 2025, da PEC 14/2021, que concede aposentadoria especial com integralidade e paridade a agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, desencadeou forte reação no meio municipalista. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) afirma que a proposta é inconstitucional e representa um impacto de R$ 69,9 bilhões para as finanças municipais.

O debate político, agora, migra para o Senado Federal, casa onde os Entes da federação têm representação e, se aprovada, pode gerar consequências profundas nos sistemas previdenciários municipais e na prestação de serviços públicos, especialmente na saúde.

O que propõe a PEC 14/2021

Segundo a ficha de tramitação da proposta, ela altera o artigo 198 da Constituição Federal para criar um “Sistema de Proteção Social e Valorização dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias”, com aposentadoria especial e obrigações novas para os gestores locais no que tange ao vínculo empregatício desses profissionais.

Por meio do relatório aprovado na Câmara, ficam estabelecidas, entre outras medidas:

  • A aposentadoria integral e com paridade para agentes que cumprirem 25 anos de atividade, com idades mínimas que variam no período de transição.

  • A efetivação de agentes temporários, indiretos ou precários à condição de servidor estatutário, desde que tenham passado por processo seletivo público (inclusive em datas anteriores) e obedecendo prazos para regularização nos municípios até 31 de dezembro de 2028.

  • A proibição de novas contratações temporárias ou terceirizadas para essas categorias, exceto em casos de emergência em saúde pública

O relator da PEC, deputado Antonio Brito (PSD-BA), defendeu que “não há qualquer ônus para os entes subnacionais (Municípios e Estados)”, pois os custos adicionais seriam arcados pela União.

Por outro lado, parlamentares contrários sustentam que há omissão da fonte de custeio, o que pode tornar a medida inócua para aplicação prática ou sujeita a questionamentos de constitucionalidade.

A estimativa de impacto e a contestação da CNM

No documento que embasa sua posição pública, a CNM sustenta que a PEC gerará um impacto atuarial de R$ 69,9 bilhões, considerando o pagamento de benefícios futuros e a antecipação média de 8 anos na aposentadoria para milhares de agentes.

O argumento central da entidade municipalista baseia-se em duas alegadas ilegalidades:

  1. Efetivação retroativa de vínculos temporários, sem concurso público, contrariando princípios constitucionais do regime jurídico do serviço público.

  2. Vigência imediata da norma, exigindo simultaneamente adaptação de concursos, previdência e orçamentos nos municípios, algo que, segundo a CNM, compromete a gestão municipal.

Além disso, aponta-se que a PEC violaria a Emenda Constitucional 128, que impede a criação de encargos sem indicação de fonte de custeio.

Os dados citados pela CNM também indicam que existem cerca de 400 mil agentes de saúde e endemias no país, dos quais parte é custeada pela União e parte pelas prefeituras. Em especial, estima-se que 36 mil agentes de combate a endemias são mantidos pelos municípios sem apoio federal, o que já gera despesa anual significativa, de aproximadamente R$ 1,6 bilhão.

Adicionalmente, a CNM alerta que o passivo poderá ser ainda maior ao incluir municípios ligados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou ao usar dados específicos de cada ente.

Num paralelo recente, a CNM menciona o caso do piso da enfermagem que, mesmo com impacto estimado em R$ 11 bilhões para os municípios, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar que o ônus fosse repassado à União, aliviando as contas municipais.

Em audiências recentes, diretores da CNM reforçaram publicamente os riscos da proposta para os orçamentos municipais.

Reações políticas e riscos jurídicos

A aprovação da PEC ocorreu em dois turnos no mesmo dia: no primeiro turno, 446 deputados foram favoráveis e 20 contrários; no segundo, 426 votos sim e 10 não.

Em imprensa especializada, há estimativas bem distintas sobre o impacto orçamentário. Enquanto a CNM fala em mais de R$ 69 bilhões, o relator Antonio Brito sugeriu um impacto de até R$ 5,5 bilhões até 2030.

A tramitação segue agora no Senado Federal, onde senadores federais, representantes dos estados e municípios, decidirão seu destino. Caso seja aprovada lá, o texto seguirá para promulgação ou, eventualmente, para o STF em ações diretas de inconstitucionalidade.

Alguns parlamentares e juristas já alertam para a possibilidade de questionamento no Supremo, especialmente diante da ausência de fonte de custeio clara e da previsão de efeitos retroativos que afrontariam princípios constitucionais (como a legalidade e o concurso público).

No horizonte municipalista, a estratégia prevista pela CNM inclui articulação política junto ao Senado e, se necessário, medidas judiciais para restringir ou invalidar a aplicação da proposta.

Consequências possíveis e cenários futuros

Se aprovada em sua forma atual, a PEC 14/2021 pode gerar:

  • Desequilíbrios fiscais nos municípios, que já atuam sob forte pressão orçamentária, principalmente em saúde, educação e infraestrutura.

  • Incentivos a outras categorias a reivindicarem mudanças nas próprias regras previdenciárias, o que poderia levar a uma avalanche de repercussões negativas para a sustentabilidade dos regimes públicos.

  • Litígios judiciais prolongados, com ações diretas de inconstitucionalidade ou questionamentos em tribunais de contas municipais e estaduais.

  • Pressão sobre o governo federal para compensar os custos, caso o texto seja interpretado como impondo ônus aos entes subnacionais sem contrapartida.

Por outro lado, há também um risco político: para muitos agentes de saúde, a PEC representa reconhecimento e valorização de uma categoria historicamente precária. O desgaste político de rejeitar um benefício assim pode pesar na decisão parlamentar.

No front municipalista, resta agora acompanhar a tramitação no Senado, mobilizar parlamentares, técnicos e entidades representativas, além de preparar a via judicial caso a PEC avance sem salvaguardas.

Foto: Manoel_Foto Jhonatan_Cantarelle_

Saúde Gov

Referências

Texto base: “PEC da aposentadoria de agentes de saúde é inconstitucional e traz impacto de R$ 69,9 bilhões …” (CNM)

Câmara dos Deputados – notícia sobre aprovação do PEC em 1º turno

Gazeta do Povo – reportagem sobre antecipação de aposentadoria e dados divergentes de impacto

CNN Brasil – cobertura da aprovação da PEC e dados de votação 

Ficha de tramitação da PEC no site da Câmara

CNM – comunicações institucionais e audiência pública mencionadas

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