Cobrança do ITBI na integralização de capital: o que mudou, e o que isso significa para municípios e contribuintes

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Quando um imóvel é transferido para uma empresa como forma de integralização de capital social, surge uma pergunta que há anos rende debates jurídicos e práticos: incide ou não o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) nessa operação? A resposta já não é mais tão simples, houve decisões que reconheceram imunidade em parte dos casos, mas abriram margem para tributar valores que excedam o capital a ser integralizado. Vou explicar de forma direta, com exemplos e as principais fontes que embasam esse cenário.

O ponto de partida: a norma constitucional

A Constituição Federal, no artigo 156, §2º, I, prevê imunidade do ITBI nas transmissões de bens para integralização de capital social. Em termos práticos: se você transfere um imóvel à empresa para formar capital social, essa operação tem, em tese, imunidade ao imposto, desde que a empresa não tenha atividade preponderante de compra e venda de imóveis (isto é, não seja uma imobiliária).
Onde a controvérsia aparece: o “excedente” sobre o capital
A controvérsia começa quando o imóvel tem valor de mercado bem superior ao valor que foi declarado como capital social (ou ao valor histórico declarado pelo sócio no Imposto de Renda). O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões que consolidaram o chamado Tema 796, reconheceu que a imunidade alcança o imóvel até o limite do capital social a ser efetivamente integralizado, mas não necessariamente o valor que supere esse limite, esse excedente pode ser tributável pelo ITBI. Isso abriu caminho para que prefeituras e fiscos municipais cobrem ITBI sobre a diferença entre o valor venal/mercado e o valor alocado como capital.

O que os tribunais inferiores e o STJ têm decidido

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversas Cortes estaduais têm aplicado esse raciocínio: reconhecer a imunidade parcial (até o limite do capital integralizado) e autorizar tributação do que for além disso. Em decisões mais recentes e informativos de jurisprudência, a base de cálculo considerada costuma ser o valor venal do imóvel em condições normais de mercado, e não o valor contábil ou o declarado pelo contribuinte, salvo quando este último for aceito e não contestado por processo administrativo.

Consequências práticas (exemplo numérico)

Imagine que um imóvel valha R$ 1.000.000,00 no mercado. O sócio decide integralizar R$ 300.000,00 desse imóvel como capital social da empresa (o restante fica como reserva de capital ou contabilizado de outra forma). Pela interpretação que vem prevalecendo, os primeiros R$ 300.000,00 estariam cobertos pela imunidade; os R$ 700.000,00 excedentes seriam passíveis de cobrança de ITBI, com cálculo conforme a alíquota do município sobre o valor venal. Quem paga e como isso é escriturado (por exemplo, se há constituição de reserva de capital) influencia diretamente onde e quanto se tributa.
O papel dos municípios e a prática administrativa

Como o ITBI é tributo municipal, há diferenças de postura entre prefeituras: algumas passaram a exigir recolhimento sobre o excedente imediatamente, outras aguardaram decisões judiciais, e algumas têm critérios próprios para avaliar valor venal e a presunção de veracidade do valor declarado pelo contribuinte. Organizações que representam os municípios já publicaram notas técnicas para orientar as Prefeituras sobre a forma correta de aplicar a imunidade e os limites dela. Do lado do contribuinte, recomenda-se muito cuidado com a documentação que comprove a destinação do valor, por exemplo, ata de assembleia, lançamento contábil e documentação que demonstre que a integralização foi efetiva.

Dicas práticas para contribuintes e contadores
Planeje a operação: antes de transferir o imóvel, defina claramente quanto será incorporado ao capital e como será contabilizado o excedente.
Documente tudo: contratos sociais, atas, laudos de avaliação e demonstrativos contábeis ajudam a respaldar a operação em eventuais autuações.
Avalie riscos locais: verifique a jurisprudência e as práticas do município onde o imóvel está localizado, alguns fiscos são mais rigorosos.
Considere ação preventiva: quando o risco tributário é alto, avaliar medidas judiciais ou administrativos para discutir cálculo do valor venal pode valer a pena.

E o que esperar no curto prazo?
O tema continua em evolução. Há movimentações no STF e no STJ e também notas técnicas e orientações de entidades representativas dos municípios que tentam uniformizar a aplicação prática. Em outras palavras: a tese da imunidade parcial está consolidada, mas o modo como os municípios vão arbitrar valores e exigir recolhimento do excedente ainda gera dúvidas e litigiosidade. Para contribuintes, cada caso merece análise individual, com atenção especial ao planejamento societário e à avaliação do imóvel.

 

Fontes: STF: notícia sobre discussão dos limites da imunidade do ITBI para integralização de capital social.
Notícias STF
CNM & CTAT: Nota Técnica orientando municípios sobre cobrança de ITBI em integralização de capital.
Confederação Nacional de Municípios
STJ: acórdão/informativo sobre aplicabilidade da imunidade até o limite do capital social.
Informativo STJ / Cartório Encantado: sobre base de cálculo do ITBI e entendimento jurisprudencial.
Análises jurídicas e matérias especializadas sobre o Tema 796 e suas repercussões práticas. 

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