A viagem para a praia, mais um desejo dela antes de partir, também se concretizou com um empurrãozinho dos médicos, que entraram em contato com os amigos da paciente. Reunidos, eles pagaram a ida da jovem a Paraty, no Rio de Janeiro. A viagem aconteceu, mas, infelizmente, a jovem teve uma piora no quadro quando estava na cidade e faleceu em um hospital no local. “Mesmo que esse fim pareça um pouco triste, nós ficamos felizes porque ela ainda conseguiu falar para as pessoas que ela ama que os amava, conseguiu comer as coisas de que gostava e realizar todos esses desejos”, confessa a médica.
Embora os cuidados com a paciente possam parecer, a princípio, não tão relacionados à medicina, eles exemplificam bem como é o trabalho de uma equipe de medicina paliativa: atento, humano, empático e que envolve várias áreas.
Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que ameace a vida. Esse trabalho é feito por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, da avaliação do paciente e do tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.
“É uma abordagem que enxerga a pessoa além da questão biológica e vê todas as duas dimensões. Porque é assim que de fato a gente vai conseguir amenizar e ressignificar o sofrimento que é causado por uma doença grave”, explica a médica Sarah Ananda Gomes, líder da especialidade de cuidados paliativos do Grupo Oncoclínicas.
A profissional, que também é coordenadora do comitê de residências médicas e pós-graduações da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), explica que, embora essa área médica seja comumente associada ao tratamento de pessoas que estão na fase final da vida, ela pode ter início no momento em que o paciente recebe o diagnóstico. A abordagem da medicina paliativa, ainda, estende-se e engloba um cuidado com a família, principalmente quando há óbito, ajudando as pessoas próximas a lidar com o luto da perda.
“Esses cuidados são uma camada a mais de suporte para que todos consigam enfrentar as dificuldades da doença com mais leveza”, destaca Sarah. Ela pontua ainda que a abordagem da medicina paliativa sempre leva em conta a autonomia e a individualidade do paciente. “É um cuidado realizado com base no que é importante para ele, no que ele valoriza, nas suas crenças. Levamos em conta a espiritualidade e também o aspecto emocional”, afirma.
Não existe uma “receita de bolo” para o tratamento paliativo
Por tratar dos vários desdobramentos que envolvem o diagnóstico de uma doença que apresenta risco para a vida do paciente, a medicina paliativa atua de forma multidisciplinar, envolvendo também outras especialidades médicas. “Os tratamentos ficam muito vinculados à pessoa. Não podemos falar que existe um tratamento específico, porque ele vai ser particular para cada paciente. Tanto que, nos cuidados paliativos, gostamos de conhecer quem estamos tratando, saber quem ele é, o que ele gosta, as coisas que ele fazia, as pessoas que ele ama e que estão ao seu redor”, explica Ana Ceccarello. “Então, se pensarmos na parte física, vamos avaliar se ele tem dores e como podemos controlá-las. Se ele ficou debilitado de alguma maneira, vamos avaliar como podemos corrigir a rotina dele. Já no âmbito mental, vamos ver se ele está ficando ansioso por causa desse diagnóstico, se ficou depressivo por ter trabalhado”, exemplifica. “Se ele for um paciente religioso e algum ritual fizer parte de sua crença e for importante para ele, também buscamos que isso seja respeitado e preservado”, acrescenta.
Relação com a família
A medicina paliativa abarca ainda a relação do paciente com a própria família, estendendo o cuidado também para aqueles que estão próximos do enfermo. “Muitas vezes, o familiar sofre mais que o paciente. Às vezes eles não compreendem bem o que está acontecendo, então também fazemos reuniões para que todos saibam como ele pode ser ajudado, qual a melhor forma de cuidar dele”, explica Sarah Ananda Gomes.
A profissional ressalta a importância da comunicação no cuidado paliativo, tanto com os familiares quanto com o próprio paciente. Na avaliação inicial, por exemplo, a conversa tem um papel fundamental. “É um cuidado muito amplo. A consulta é mais aprofundada. O tempo que gastamos nesse acompanhamento também é maior para que possamos oferecer um tratamento efetivo. E, ainda, é por isso que precisamos de vários profissionais. Para que possamos olhar para todas as dimensões do ser humano”, pontua a especialista.
Quando o tratamento paliativo é indicado?
Ana Luiza Ceccarello explica que os cuidados paliativos são voltados para pacientes que têm doenças avançadas e progressivas e que, muitas vezes, não têm um tratamento específico ou curativo, mas que podem ser controladas. “Insuficiência renal ou cardíaca, alguma doença pulmonar ou uma doença neurológica progressiva”, exemplifica.
Sarah Ananda Gomes cita também outros exemplos, como câncer, HIV, Alzheimer e outros tipos de demência, além do Parkinson e da cirrose. Ela destaca ainda que pacientes internados, fragilizados pela soma de outras enfermidades que, sozinhas, não gerariam risco, também podem entrar nessa lista. “É importante, porém, deixar claro que é inviável realizar a abordagem de cuidados paliativos sozinha. Há várias dimensões e muitos olhares, do médico ao enfermeiro, psicólogo, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, dentista, terapeuta ocupacional, assistente social e capelão, para o conforto espiritual, ou seja, uma equipe multidisciplinar”, reitera.
Com informações de O TEMPO.